O Direito ao Silêncio na Abordagem Policial: Uma Garantia que Invalida Provas
- Ricardo Bianchini de Assunção
- 1 de nov.
- 4 min de leitura
O Direito ao Silêncio na Abordagem Policial: Uma Garantia que Invalida Provas
O direito de permanecer em silêncio é uma das garantias mais fundamentais do cidadão perante o Estado, assegurando que ninguém seja obrigado a produzir prova contra si mesmo. Este princípio, conhecido como nemo tenetur se detegere, não se aplica apenas ao interrogatório formal na delegacia, mas desde o primeiro contato com a autoridade policial. A ausência da advertência sobre esse direito, o chamado "Aviso de Miranda", contamina o ato e todas as provas que dele derivam, gerando nulidade processual.

O "Aviso de Miranda" e a Posição do Supremo Tribunal Federal (STF)
A jurisprudência brasileira, em especial a do Supremo Tribunal Federal, tem consolidado a importância do "Aviso de Miranda" desde a abordagem policial. A Corte entende que a obrigação de informar o preso sobre seu direito ao silêncio não se restringe ao interrogatório formal, mas deve ocorrer no momento da prisão em flagrante.
STF — RHC 207459 SP — Publicado em 18/05/2023A Constituição Federal impõe ao Estado a obrigação de informar ao preso seu direito ao silêncio não apenas no interrogatório formal, mas logo no momento da abordagem, quando recebe voz de prisão por policial, em situação de flagrante delito.
Essa orientação visa proteger o cidadão da chamada "confissão informal", obtida em um momento de alta vulnerabilidade e sem a devida ciência de suas garantias constitucionais. Uma condenação não pode se basear exclusivamente em declarações dadas a policiais no calor do momento, sem a formal advertência (STF — RHC 170843 SP).
O Julgamento no STF e a Tese da Nulidade (RE 1.177.984/RS)
O tema ganhou ainda mais relevância com o reconhecimento da repercussão geral no Recurso Extraordinário 1.177.984/RS, de relatoria do Ministro Edson Fachin. O STF — RE 1177984 SP discute a obrigatoriedade de o Estado informar o direito ao silêncio no momento da abordagem policial, e não apenas no interrogatório formal.
Embora o julgamento de mérito ainda esteja pendente de conclusão, os votos já proferidos e a linha jurisprudencial da Corte indicam a consolidação da seguinte tese: a ausência do "Aviso de Miranda" na abordagem policial torna ilícita a prova obtida a partir da confissão informal do suspeito.
A defesa dessa tese se baseia na premissa de que qualquer prova derivada de uma violação constitucional é ilícita, aplicando-se a teoria dos "frutos da árvore envenenada" (fruits of the poisonous tree). Assim, a confissão informal sem advertência contamina não apenas o que foi dito, mas todas as provas que só foram descobertas por causa dessa confissão.

O Ônus da Prova: Quem Deve Comprovar a Advertência?
Um ponto crucial nesse debate é o ônus da prova. A quem cabe comprovar que o aviso de direitos foi efetivamente realizado? A lógica de proteção dos direitos fundamentais e a hipossuficiência do cidadão perante o aparato estatal indicam que o ônus deve ser do Estado.
Cabe à acusação demonstrar, de forma inequívoca, que o suspeito foi devidamente informado de seu direito de permanecer calado e de não produzir provas contra si. Essa comprovação pode ser feita por meio de gravações de áudio e vídeo da abordagem (câmeras corporais), testemunho coeso dos agentes ou registro formal imediato. A simples alegação dos policiais, sem outros elementos, mostra-se frágil para validar a prova.
A Confissão Extrajudicial e a Retratação em Delegacia
A situação se torna ainda mais emblemática quando a suposta confissão informal, obtida na rua, é posteriormente retratada na delegacia. Se, ao ser formalmente interrogado e devidamente advertido de seus direitos, o acusado opta por permanecer em silêncio ou nega os fatos, a "confissão" anterior perde completamente sua validade.
Isso ocorre por duas razões principais:
Ilicitude Originária: A primeira "confissão" já nasceu viciada pela ausência do Aviso de Miranda.
Direito ao Silêncio Exercido Formalmente: A escolha de silenciar em um ambiente formal, com a devida orientação, prevalece sobre qualquer declaração informal anterior, dada sob pressão e sem o conhecimento das garantias legais.
O STF já decidiu que a coleta de provas sem a advertência sobre o direito de não produzir prova contra si mesmo é ilícita, como no caso da coleta de material grafotécnico (STF — HC 186797 RJ). O mesmo raciocínio se aplica à confissão oral.
A Prova da Concessão do Direito na Delegacia
No âmbito do inquérito policial, a prova de que o direito ao silêncio foi assegurado é feita por meio do termo de interrogatório. Este documento deve conter, obrigatoriamente, a informação de que o investigado foi cientificado de seu direito constitucional de permanecer calado, conforme o Art. 186 do Código de Processo Penal. A assinatura do acusado e de seu defensor (se presente) no termo serve como comprovação formal do ato.
Conclusão
A exigência do "Aviso de Miranda" desde a abordagem policial não é um mero formalismo, mas uma condição de validade para a persecução penal em um Estado Democrático de Direito. Ignorar essa garantia fundamental é permitir que a pressão e a desinformação se tornem ferramentas de investigação, resultando em provas ilícitas e condenações injustas. A consolidação desse entendimento pelo STF representa um avanço civilizatório e um reforço indispensável ao direito de defesa.
Tenho dito!
Dr. Ricardo Bianchini de Assunção
Advogado Criminalista
OAB/SP 446443





Comentários